Teve início ontem um seminário em Brasília para debater a Operação Mãos Limpas, na Itália. O intuito é claro: estabelecer uma associação entre o que se deu naquele país a Lava-Jato, a nossa “Mãos Limpas”. Rodrigo Janotfez o discurso de abertura. Disse algumas coisas certas e outras erradas. Antes de entrar no mérito, algumas considerações.
A população brasileira, por justas razões, aprova a Lava-Jato. Jamais se viu, de fato, tanta gente poderosa tendo de dar explicações ou, como é evidente, na cadeia. Ainda que julgamentos não tenha acontecido em caráter definitivo, as evidências de bandalheira são assombrosas; o estatuto da delação premiada, por sua vez, facilita a investigação e traz à luz parte do subterrâneos da República.
Muito bem! Rodrigo Janot, procurador-geral da República, destacou esse momento notável por que passa o Brasil. E todos estamos de acordo com ele sobre isso. Mas também cometeu, a meu ver, uma falha imperdoável.
Voltou a sugerir que há pessoas conspirando nas sombras contra a Lava-Jato. Afirmou:
“Hoje, algumas vozes reverberam o passado e ensaiam a troca do combate à corrupção por uma pseudo-estabilidade, a exclusiva estabilidade destinada a poucos. Não nos sujeitaremos à condescendência criminosa: não é isso que o Brasil quer, não é disso que o país precisa”.
Como é que é? Onde estão essas vozes? O procurador-geral precisa dizer seus respectivos nomes. Atenção! Eu estou entre aqueles que acham que o país precisa, sim, de estabilidade; eu estou entre aqueles que acreditam que o Brasil não pode tomar o combate à corrupção como método de governo, até porque ele não é; eu estou entre aqueles que acreditam que nem a Lava-Jato nem ninguém tem carta branca para agir ao arrepio da lei. Mas isso é muito diferente de querer parar a operação.
Sim, entendo que Janot estivesse fazendo referência às conversas gravadas por Sérgio Machado, em que interlocutores como Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney expressaram inconformismo com determinadas ações da Lava-Jato. Vamos lá: essas três personagens são investigadas. Renan, por exemplo, está em 11 inquéritos. Mas uma coisa é evidenciar insatisfação — e justamente porque a Lava Jato atua livremente — e outra, distinta, é atuar para impedir lhe limitar os passos.
Um procurador-geral da República não pode, num seminário, sugerir que existe uma conspiração contra uma operação dessa magnitude sem dizer os nomes dos que conspiram, sob pena de cometer crime de prevaricação.
Isso, aliás, não é admitido nem a jornalistas, que autoridades não são. Imaginem se posso chegar aqui, informar que existe uma grande armação para que tudo termine em pizza, intranquilizar o povo brasileiro e deixar todo por isso mesmo, sem dar nomes aos bois. Janot comete um erro.
Janot disse ainda outra coisa que, a depender da extensão, tem efeitos deletérios. Afirmou que não se chegará ao fim desejado para a Lava-Jato só pelos caminhos do Ministério Público ou do Judiciário: atribuiu à mobilização popular tal tarefa.
Eu, que apoiei e apoio as manifestações de rua em favor do impeachment, sou inclinado a concordar com ele. Desde que fique evidente que os limites, mesmo para tais manifestações, são os da democracia e do estado de direito.
Por Reinaldo Azevedo