A presidente Dilma Rousseff voltou nesta terça-feira a dar curso à estratégia petista de atacar o juiz federal Sérgio Moro - e, deixando de lado o decoro que a função de chefe de Estado exige, adotou abertamente um discurso de militante do Partido dos Trabalhadores, além de transformar o Planalto em um palanque. Dilma chegou a dizer ao microfone a frase "Não vai ter golpe", transformada em mantra pelos movimentos de esquerda que insistem em comparar indevidamente um mecanismo previsto na Constituição ao golpe militar de 1964. A presidente ainda abriu os microfones do governo federal a um grupo de juristas chapa-branca dedicado a desferir ataques na cruzada petista contra o magistrado à frente da Operação Lava Jato. Eles também se levantaram contra o Ministério Público Federal, a campanha 'Dez Medidas contra a Corrupção' e repudiaram o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil ao impeachment de Dilma.
Ao fim das quase três horas de discursos, Dilma afirmou que não há razão para o processo de impeachment em curso no Congresso Nacional e rechaçou a possibilidade de renunciar ao cargo. Ela disse que há no país "uma conjuração que ameaça a normalidade democrática" e uma "ruptura institucional forjada nos porões da baixa política". "Eu me dirijo a vocês com a consciência tranquila de não ter praticado qualquer ato ilício a caracterizar crime de responsabilidade", disse a presidente. "Não cometi crimes para interromper o meu mandato. É uma injustiça brutal. É uma ilegalidade. Já fui vítima dessa injustiça uma vez na ditadura e lutarei para não ser vítima de novo em plena democracia. Nesse caso não cabem meias palavras: o que está em curso é um golpe contra a democracia. Eu jamais renunciarei."
Sem citar Moro, Dilma afirmou que o país precisa de juízes "sensatos, serenos e imparciais", ainda que tenham suas convicções partidárias. "A Justiça brasileira fica enfraquecida e a Constituição, rasgada, quando são gravados diálogos da presidente da República sem autorização do STF. Gravações que não dizem respeito ao objeto das investigações maculam imagem e invadem privacidade." A presidente ainda afirmou que o governo está "mobilizando a sociedade em mais uma campanha pela legalidade", em referência à campanha liderada por Leonel Brizola, em 1961, para evitar um golpe militar com a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros.
A ofensiva do Executivo sobre o Judiciário ficou evidente na semana passada, quando Dilma acusou Moro de violar a Lei de Segurança Nacional ao suspender o sigilo de um grampo telefônico contra o ex-presidente e quase ministro Lula, no qual ela foi flagrada oferecendo ao antecessor o termo de posse antecipado na Casa Civil para uso "em caso de necessidade" - uma espécie de salvo-conduto contra pedidos de prisão.
Dilma chegou a dizer na sexta-feira que, no exterior, "quem grampeia presidente da República vai preso". No mesmo dia, a Ordem dos Advogados do Brasil decidiu apoiar o impeachment da presidente no Congresso Nacional. Mais de quinhentos juízes divulgaram carta em solidariedade a Moro, alvo de ataques de advogados e do governo. Ele também ganhou apoio Ministério Público, da Associação dos Magistrados Brasileiros e da Associação dos Juízes Federais do Brasil.
Entre os apoiadores de Dilma havia nesta terça-feira professores universitários, estudantes de direito que militam no PT, juízes, ex-magistrados e advogados - inclusive Alberto Toron, que defendeu na Lava Jato o empreiteiro-delator Ricardo Pessoa, dono da UTC, e agora advoga para Fernando Bittar, apontado como laranja do ex-presidente Lula no sítio de Atibaia (SP). Ele também defendeu o ex-deputado petista João Paulo Cunha, condenado no mensalão. Em dezembro, Dilma já havia arregimentado e levado ao Palácio do Planalto um grupo de juristas simpatizantes para encontrar argumentos contra o processo de impeachment.
Dilma assistiu ao desfile de discursos chapa-branca ao lado dos ministros José Eduardo Cardozo (AGU) e Eugênio Aragão (Justiça). Cardozo disse que a Advocacia-Geral da União vai provocar o Supremo Tribunal Federal para que a corte defina "limites de atuação" de procuradores, juízes e policiais em relação ao sigilo telefônico de presidentes nas investigações. Ele esbravejou: "Não passarão". Militantes do PT, da UNE e de movimentos sociais interromperam os discursos com gritos como "Não vai ter golpe" e "A OAB apoiou a Ditadura". O ato político foi transmitido ao vivo pelo canal oficial do governo, NBR TV.
Moro não foi citado nominalmente, mas chamado de "juiz do principado de Curitiba" e comparado a um Führer - título associado ao líder do nazismo Adolf Hitler. Eles acusaram o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba de cometer crime, "arrombar a legalidade" e ainda pediram a prisão de Moro. "Se ele não está com um problema psicológico, ele é um criminoso. Senão, tem que ir para o manicômio", disse o professor Marcelo Neves, da Faculdade de Direito de Brasília (UnB). "Nem juiz federal nem um ministro do STF estão acima da lei e da Constituição."
Neves disse que "às vezes é constrangedor" apoiar governos populares com integrantes envolvidos em escândalos de corrupção, mas que apontaria ilegalidades de uma ditadura judicial e do Estado policial no Brasil.
Ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), assegurou que crescem dramaticamente no país forças fascistas na busca de "um Führer, um protetor". Ele citou o golpe militar de 1964 e emendou: "Ontem as Forças Armadas, hoje a toga supostamente imparcial e democrática". Dino afirmou que "os abusos de um juiz contaminam a ordem jurídica". "Poder judicial não pode mandar carta para passeata. Se procurador ou juiz quiser fazer passeata, que peça demissão. Não use a toga para fazer política, porque isso acaba por destruir o Poder Judiciário", disse.
O governador maranhense, que por anos criticou desmandos do clã Sarney em seu Estado, também minimizou o combate à corrupção e salientou que esse foco é uma estratégia de luta política no país e serve para "esconder os verdadeiros problemas nacionais". "A maior corrupção que pode existir numa sociedade é a desigualdade, a injustiça social. Aqueles que pretendem situar que apenas a corrupção no Estado deve ser combatida pretendem, na verdade, proteger seus privilégios de classe, de carta e de testamento", disse Dino.
O diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, disse que acelerar o processo de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados ajudaria a tornar mais lento o processo disciplinar por quebra de decoro contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu na Operação Lava Jato perante o Supremo. Ele afirmou que as pedaladas fiscais não justificam o impeachment e que os "bancos públicos receberam valores muitos maiores do que os pequenos atrasos por queda na arrecadação". "Para sermos coerentes, teríamos que afastar em torno de dezesseis governadores", ponderou Cavalcanti. "Estamos num tempo em que os golpes não são dados pelas Forças Armadas, os golpes são aplicados com artifícios jurídicos."
No ato político desta terça, o criminalista Alberto Toron criticou Moro e o Ministério Público e disse que as "autoridades que deveriam zelar pela aplicação do direito e dos valores constitucionais descumprem perversamente mandamentos claros" e usam o princípio da proporcionalidade para "arrombar a legalidade": "É o que o juiz do principado de Curitiba tem feito. Vemos o próprio juiz do processo dando a público coisas que deveriam por força de lei ser mantidas em sigilo".
Assim como Toron, a juíza Gláucia Foley, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, criticou a campanha do Ministério Público "Dez medidas contra a Corrupção". Para ela, as propostas são "retrocessos em conquistas constitucionais". "Não se combate a corrupção corrompendo a Constituição", declarou a magistrada simpatizante do governo Dilma.
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